Não existe profissional de Mainframe , no Brasil ou no exterior, que não conheçeu o Álvaro Salla, ou apenas Salla, como é popularmente conhecido. Seja como instrutor de diversos centros educacionais da IBM, como especialista técnico, como autor de Redbooks ou como consultor, Salla se transformou num ícone da plataforma .
Trabalhando com Mainframes desde 1969, quando ingressou na IBM, aposentou-se depois de mais de 30 anos de trabalho, continua trabalhando como consultor e como contratado da IBM para projetos especiais, Salla é uma das maiores sumidades mundiais em HW e Sistemas Operacionais de Mainframe.
Pessoa cativante, com senso de humor aguçado, desempenha suas atividades profissionais sem esquecer as outras questões que envolvem a defesa da plataforma, com muita paixão mas sem perder a racionalidade. Quando estourou a onda do Downsizing, foi o primeiro a contestar o movimento, mostrando os riscos que as empresas corriam.
Veja abaixo a conversa que tivemos com o Salla .
DR: Salla, quando e como começou o seu envolvimento com o
mainframe ? Qual era o modelo e tecnoloogia da época ?
AS: Três de fevereiro de 1969. A
computação vivia a sua aurora. Mas antes disso cabe a seguinte estória.
Em dezembro do ano anterior eu era um
jovem (sim, um dia eu fui) com dupla vida. Em uma, professor de Química em
cursinhos pré-vestibular, ganhando bem e cheio de namoradas e mesmo
pretendentes. Na outra, um desgraçado
aluno da Escola Politécnica envolvido com exames de matérias, que por um motivo
ou outro eu não estava preparado para ser aprovado.
O pior que elas eram o
único caminho para o diploma. Nesse dezembro quente estava eu caminhando no
prédio da Mecânica no campus da USP, quando vi estampado na parede um aviso que
a IBM (what a hell?) viria à Escola aplicar um teste para admissão na tal empresa.
Como eu não tinha ainda procurado emprego (e nem sei se o faria) decidi tentar.
Fui selecionado para as entrevistas. E depois fui o único daquela safra cuja
aprovação teve que vir do Gerante Geral da IBM São Paulo (Josino). Acho que os
entrevistadores (Célio Lugão) até gostaram de mim, mas nada que fizesse ter
coragem de dizer sim.
Com mais 19 quase
crianças começamos uma nova turma de trainees. A metralha inimiga foi severa nos
anos seguintes e delas apenas o Fadel
resistiu até os 40 e tal anos de IBM. Eu fui embora pelos 30 e picos.
Nosso primeiro contacto com o
Mainframe foi no próprio curso que se seguiu. Ele que na aquela época tinha dois nomes
dependendo da cultura de quem falasse ou computador ou cérebro eletrônico.
Começamos com uma instrução programada
de RPG, uma linguagem que mais tarde virou uma postura (hiac, hiac). A seguir
B01, D11 (brochuras verdinhas, lembram?) e por aí. Foi estranho o primeiro
contacto com ele. Um /360 modelo 20 no Centro de Computação da Rua Araújo (hoje
é um Night Club)... Dele me lembro de alguma luzes piscando misteriosamente e um
aviso oral de alguém para não colocarmos os nossos cadernos por cima...Nada
muito especial portanto.
DR: Quais a principais transformações
ocorridas no mainframe que vôce presenciou durante a carreira ?
AS: Absolutamente todas.
Desde a sua ascensão ao monopólio
mundial, até a sua queda com o DOWNSIZING e finalmente até o seu reerguer agora
mais sábio e sólido. Da entrada de dados via cartão
perfurado até smart fone.
Do Batch até o Online. Quando o Batch
dominava no Jurássico cheguei a debugar programas no Banco do Brasil, junto com
operadores de olhos brilhando, e com a CPU em Instruction Step mode. A PSW era
um monte de lampadinhas no painel de um modêlo 40... E acreditem, o telefone não tocava com
reclamações de usuários chatos sobre uma degradação no tempo de resposta.
De uma humanidade mais feliz com
políticos menos corruptos, menos drogas
e empresas que tratavam bem seus funcionários e clientes até...
DR: Que aspectos da tecnologia mainframe você pensa serem os de maior
diferencial comparado com outras plataformas ?
AS: Sem dúvida a assim chamada
plataforma distribuída teve ao longo do tempo tecnológico grandes avanços.
Mas não devemos nos esquecer que tais
plataformas (UNIX e Windows) não foram desenhadas para o processamento
comercial. O Mainframe foi, e por isso ele é ainda o melhor nesse ambiente. Suas
métricas de disponibilidade, segurança, integridade, compatibilidade,
contabilidade e custo por transação processada ainda são imbatíveis. Além disso,
na chamada plataforma aberta tem uma
maldição de um velho feiticeiro: “Um sistema, um aplicativo”. Isso nos leva a
milhares de sistemas (virtualizados ou não) para serem mantidos e geridos.
Com o intuito de ser menos odiado
(pelo lado escuro da força), eu vou qualificar de uma forma maniqueísta os
três grandes tipos de processamento existentes:
·
Engenharia/ciência geralmente do bem, por alargar o nosso
conhecimento sobre o universo e suas leis.
·
Pessoal que pode ser
do bem ou do mal dependendo do aplicativo e de suas razões últimas,
·
Comercial, o mais
maldoso, pois em suma busca apenas aumentar o lucro das empresas.
DR: O downsizing quase 'matou' o mainframe,
a que vôce atribui o ressurgimento dele ?
AS: Acima de tudo ao barateamento do custo
total da plataforma. Em segundo lugar o acolher de novas tecnologias e necessidades do mercado. Mas, mantendo as
propriedades que o fizeram “king of the hill” no processamento comercial.
Os seus detratores afirmam que agora
as Universidades não formam técnicos para essa plataforma. Na verdade nunca ou
quase nunca formaram e nem por isso faltou o elemento humano na plataforma.
DR: Na sua opinião, por que tantas
empresas acreditaram no downsizing
?
AS: Em primeiro lugar o custo, em segundo
o custo e em terceiro, as falácias das empresas de informática que
oportunisticamente aproveitaram a onda.
Quantas companhias sofrendo a dor lacinante da migração calaram a boca,
pois companhias (e os seus gestores) nunca tomam decisões erradas.
DR: Quando começou o downsizing, voce foi as 'ruas' para
combater essa tendencia. O que o Downsizing prometia e o que realmente
entregou ? AS: Que me perdoem a ausência de modéstia,
mas eu fui um dos líderes do movimento. Bandeira na mão, cabelos ao vento (visão
virtualizada), por sobre as barricadas enfrentando os bacamartes do inimigo. A
bem da verdade mas com gosto amargo na boca. Pois quem nos levou a essa batalha
(mais ou menas perdida) foi a própria IBM, que insensivelmente cobrava preços
quase imorais por essa máquina maravilhosa, o Mainframe. Contudo devo dizer que cometi erros. Às
vezes no fragor da batalha em muitas
palestras (algumas em terreno hostil) usei a ironia e a galhofa, que se não
retiraram a verdade de minha palavras, causaram raiva incontida.
Uma vez na
Gávea (que saudades) um cliente espumando enfurecido foi detido a passos de
minha pessoa. Quase apanho uma sova na frente de muitos. Escrevi também vários textos, sendo o mais
engraçado aquela estória do carroceiro que comprou galinhas para tracionar a
sua carroça. Mas tudo valeu a pena e
por seus próprios méritos o Mainframe está vivo neste milênio e em quantos mais
vierem. Que o digam, os clientes novos
aqui no Brasil chegando felizes à plataforma: Sicoob, Boa Vista, Banco de
Brasília.
DR: Na sua opinião, qual a motivação para novas empresas adotarem o
mainframe ?
AS: Aquelas enunciadas em reposta
anterior. Ou seja: disponibilidade, segurança, integridade, compatibilidade,
contabilização e custo por transação. Tudo isso acrescido a um pequeno número
de servidores e a uma agora modernidade.
Excelente! Sou fã dos dois, Alvaro Salla e Daniel Raisch. Saudades de ambos.
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